quarta-feira, 29 de julho de 2009

Bailando na Noite - Ex-Família

Obs: Caso você não tenha lido o primeiro capítulo: Bailando na Noite - A vida é dura

2. Ex-família

- Vadia! Você vai se arrepender disso. – Gritou, assustadoramente, alto. Seu José estava nitidamente estressado, mesmo que estivesse dentro da casa e ninguém do lado de fora pudesse vê-lo. De repente quase todas as luzes das casas vizinhas se acenderam e não demoraria muito para que a casa de dona Maria se transformasse em um palco de um teatro, ou circo, que seja.

Agora, o medo encobria totalmente qualquer canto do rosto de Paula. Ela afastou-se de Marcos sem nem lembrar que quase o beijara e foi correndo em direção à sua casa. “Disso o quê?! Minha mãe sempre fez tudo o que esse cretino quis, deixava de ir às festas com suas amigas para ficar ouvindo ele criticar um jogo estúpido de futebol! Imbecil!”, pensava consigo mesma a dançarina. O seu anjo da guarda também disparara em direção a porta, sem entender o motivo de tudo aquilo, já que nada sobre a família dela havia sido levantado.

O único problema é que foi em vão. Antes que Paula conseguisse tocar a fechadura metálica da porta, dois disparos foram ouvidos. Quase que instantaneamente. Um barulho ainda mais alto que os gritos anteriores. Um barulho que significava mais do que dois tiros. O seu corpo do abdome para cima parecia ter se tornado mais denso, e suas pernas mais finas. Estava com problemas para sustentar seu peso. Agia em câmera lenta, depois do choque. Levou aproximadamente cinco segundos para ela conseguir empurrar a porta, agora, pesada que rangia ainda mais alto que sempre.

- Seu José matou a mulher?

- Que diabos está acontecendo aqui?

- Não se pode mais dormir nessa rua?

- Chega! – A voz, mesmo nessa circunstância era doce e aveludada para ela. – Todos quietos, por favor! Estou tentando falar com a polícia. – E a multidão, que apareceu quase que junto com os tiros, se aquietou. Paula não tinha tempo para perceber, mas se encantaria ainda mais pelo seu príncipe se soubesse o quanto ele estava preocupado com ela. Queria ter parte da situação em suas mãos para poder ajudar ao máximo. Mas estava, realmente, muito abalada para prestar atenção em outra coisa.

Enquanto todos olhavam assustados para a casa, Paula, agora, tinha a visão do inferno. Sua mãe deitada no chão com dois buracos, um na barriga, abaixo do umbigo e outro na coxa esquerda. O sangue estava espalhado por toda a parte e as lágrimas que saiam do rosto de dona Maria se chocavam com as da bailarina. Pouco importava se o sangue lhe encharcava, a dançarina queria vivenciar o último momento com sua melhor amiga.

- Mãe, eu estou aqui, mãe! Seu anjinho está aqui, mamãe. – Chorava muito, tanto que os seus olhos estavam de cor vermelho vivo.

- Meu amor. – Disse “Mazinha”, como Paula a chamava quando pequena, com dificuldade. Parecia que as palavras rasgavam-lhe a garganta e que se engasgava com o pouco ar que, ainda, conseguia respirar.

- Não fale, mãe. Não se esforce. Logo a ambulância e a polícia estarão aqui. – As lágrimas pareciam se acelerar cada vez mais para sair do rosto da dançarina. Enquanto dizia isso ela fitava os olhos de seu José. Estático, com a arma, ainda, apontada para a coxa esquerda de dona Maria. O ódio no olhar dela era tal que só por encará-lo a pistola pareceu pesar tanto que ele a deixou cair, mas manteve-se estático, com exceção desse movimento involuntário.

- Eu só queria te ver como baila... – O ar tinha parado de se movimentar em seus pulmões. E a hemorragia externa também já não podia mais ser controlada. Ela se foi. Foram dois tiros certeiros. Paula começou a chorar ainda mais. Beijou a testa de sua mãe e pensou alto, consigo mesma: “Ela só queria me ver como bailarina, e eu não pude dar isso a ela. Que bela filha eu sou.”. De repente sem nem perceber o que acontecera ao seu redor enquanto a pessoa que ela mais gostava do mundo morria em seus braços, Marcos segurou sua mão. Ela fitou seus olhos semicerrados tentando entender sua expressão enquanto a via chorar mais do que o imaginável. Sem sucesso. Não conseguia saber o que se passava pela sua cabeça. Ele lhe beijou a testa e, pausadamente, lhe disse:

- Sinto muito, meu amor. Sinto ... – As lágrimas que saiam dos olhos de Paula o fez beijar seu rosto de imediato e as palavras que ele tinha pensado em dizer, agora pareciam pouco. A bailarina retribuiu o abraço da, agora, única pessoa que ela, realmente, amava.

Por alguns segundos, Paula ficou aninhada nos braços de Marcos. Tentando entender o porquê de tudo aquilo estar acontecendo com ela, e não com outra pessoa qualquer. O barulho da ambulância já podia ser ouvido e dois minutos depois, o da polícia também.

Enquanto o corpo era retirado pela ambulância e os policiais saiam da viatura, um ataque de nervos fez com que a bailarina se soltasse dos braços de seu anjo protetor e corresse em direção a seu José. Foram murros fortes em seu peito e ainda assim, ele se via estático.

- Porque você fez isso comigo?! – As lágrimas desciam como se fossem pedras de gelo, tentando, sem sucesso, congelar a sua face – Você não tem o direito de interferir dessa forma em minha vida. – As suas forças que já não eram muitas foram se esgotando ainda mais e os murros começaram a se transformar em tapas. – Quem é você afinal? Não pode ser meu pai. Não ... – Antes que ela terminasse a frase, Marcos a abraçou por trás e afastou-a do assassino. Tentava controlá-la, mas infelizmente não conseguia. A raiva a dominava compulsivamente. Paula não percebera que os policiais já estavam atrás do seu pai, essa palavra, ainda mais agora, nunca existira para a bailarina, algemando-o. Um deles disse:

- Você está preso por homicídio doloso, com intenção de matar, e porte ilegal de arma. Sem contar que estamos indiciando o senhor por algumas marcas de espancamento na cintura e no rosto de sua mulher que devem ter sido causados antes desse incidente.

Enquanto o outro policial apertava, forte, a mão de Marcos e conversava sobre os depoimentos que deveriam ser prestados, seu José passava ao lado de Paula, cabisbaixo. Ela ergueu o rosto dele com suas próprias mãos e virou-lhe para encará-la. Fitou seus olhos vazios e negros com tanto nojo que sentiu vontade de cuspir nele. Ela o fez. Ainda estático seu pai não reagira. Ele abaixou novamente a cabeça e seguiu em direção a viatura.

- Obrigado pela rapidez, seu guarda. – Disse Marcos em frente à casa da dançarina. Como sempre, educado.

- Não há de quê. Nós não gostamos de deixar marginais como esse por aí. – Acenou e deu de costas para a multidão que cochichava do começo ao fim da tragédia. – Até logo. – Gritou ele ao entrar no carro e disparar em direção à delegacia mais próxima.

O anjo da bailarina pediu, educadamente, a todos que estavam ali parados para se retirar. Parecia que ele tinha o dom de fazer com que as pessoas façam o que ele quer. Todos se retiraram, lentamente, mas se retiraram. E então Marcos voltou para sua princesa que agora estava em pedaços.

- Vamos, meu anjo. Pode dormir lá em casa, se quiser. Até que tudo se ajeite. Cuidarei do... – Com receio do impacto que a continuação pudesse causar em Paula ele achou melhor falar disso depois. – Cuidarei de tudo. Mas por enquanto é melhor que você fique longe do seu castelo. – Ela assentiu sem dizer nada e caminhava, com uma expressão mais vazia do que se pode imaginar, sem rumo, sem vontade de viver, em direção ao carro de Marcos. – Vou pegar umas roupas suas e colocar numa mala que tenho no carro, vai precisar delas. – A bailarina parecia não ouvir nada a não ser suas lágrimas rasgando sua pele de tanto frio que liberavam ao entrar em contato com sua pele que parecia estar em combustão pela raiva que agora, ainda mais, sentia do seu... Pai.

Marcos entrou no seu carro e Paula estava ali, fitando o infinito. Seus olhos não pareciam ter, sequer, um foco. Então ele achou melhor não dizer nada. Beijou a testa da bailarina e seguiu viagem, rumo a sua casa. Não se esquecera de nada. Trancou a casa, apagou todas as luzes e guardou a chave na mala que estava levando as roupas dela. Não aconteceu nada de mais até a casa do anjo protetor. Nenhuma palavra foi dita. Com exceção dos murmúrios de raiva que saiam quase que automaticamente, entre os soluços do choro, da boca de Paula. Mas nada audível. Ela ainda não tinha parado para pensar, quão bom ele estava sendo. Não mesmo. Não tinha tempo para isso. Estava muito ocupada imaginando o quanto sua vida seria ruim, com exceção dele, nos próximos dias, semanas, meses e até anos. Ela não conseguia se enxergar sem sua mãe. Não...

Paula só se deu conta que passou um mês no dia em que Marcos pronunciou durante uma conversa no almoço:

- Faz um mês que sua mãe se foi, meu anjo. – Uma pausa teve de ser feita. – Se quiser, hoje à tarde peço uma folga e vamos ao cemitério. – Ele olhava atentamente para os olhos da bailarina tentando entender o que passava pela sua cabeça.

- Claro amor. – Sua voz estava vazia e não havia um resquício sequer de nenhum sentimento, nenhum mesmo. Seus olhos, agora, focaram-se nos de Marcos. E então ele se assustou com o que o encontro de seus olhares causou recuando para trás. O anjo protetor de Paula conseguia enxergar a solidão dela em seus olhos, estava nítido. – Umas cinco horas a gente pode passar lá então. – Só agora ela percebera que ele tinha se afastado um pouco. – Algo errado com a minha maquiagem? – Ela riu sem entender o motivo do espanto, mas não interessava muito. Achava que era uma brincadeira ou algo do gênero.

- Não. Nada de errado. A propósito, você está linda. – Disse ele tentando não deixar sua voz transparecer o espanto de agora a pouco. – Então está combinado. As cinco nós vamos. – Os olhos de Paula já pareciam melhor e ele se sentiu menos incomodado. Voltou para a posição original.

Assentiu com um sussurro. Levantaram-se e foram lavar os pratos, como era segunda ele lava e ela enxuga e guarda. Um trato feito anteriormente entre eles que estava dando certo e resolveram manter. Paula foi tomar um banho enquanto Marcos ligava para seu trabalho e pedia uma tarde de folga. Não seria muito difícil ele conseguir já que era um funcionário exemplar. Conseguiu. O patrão, além de tudo, era seu amigo. E entendeu o motivo.

Enquanto as gotas quentes de água se chocavam contra a pele de Paula ela resolveu pensar um pouco. Só agora que percebera o quanto Marcos era bom para ela. Desde o dia em que sua mãe morreu a vaga no “Freire” fora repassada para uma ex-colega de colégio sua, e o seu anjo protetor não se importava em bancar a despesa da casa já que o seu salário era estável e considerável. Até hoje, depois daquele incidente do carro, suas bocas nunca estiveram tão próximas. Esse mês que eles passaram juntos foi como se a vida não existisse. As coisas aconteciam sem sentido para ela. Enquanto ele se esforçava para que tudo corresse da melhor forma possível. Marcos se importava em beijá-la, ela sabia disso. Só que nunca havia tentado. Esperando que ela se recuperasse. Ou seja, todo esse tempo ele fez tudo por ela enquanto não recebia basicamente nada em troca. Pelo menos ela agradecia todos os dias em suas orações pelo anjo que recebeu de presente. Ainda não sabia se estava pronta para dar tudo o que ele merece, então achou melhor não falar nada com ele. Já estava se enxugando quando terminou de pensar sobre sua vida, ou a falta dela. Passou por Marcos na sala e ele, educado como sempre, não a olhou passando embrulhada na toalha. Ela fazia questão de olhar pelo canto do olho e se encantava com cada pequeno gesto de amor que ele demonstrava.

Já vestida, sentara ao lado dele no sofá enquanto assistia à televisão. Adorava fazer isso. E sempre que tinha oportunidade ela não deixava escapar. Aninhava-se em seu peito como um pássaro novo em seu ninho. Ele se sentia maior com isso. Mas não deixava tão evidente. Não queria que Paula fizesse aquilo por obrigação. Ainda assim, não resistia aos seus cabelos negros e se via na necessidade de cheirá-los e passar a mão entre os cachos soltos. A vontade que ele tinha de beijá-la era muito forte. Mas sabia que valeria a pena esperar cada segundo. A intensidade do que acontecerá aumenta a cada segundo, bem como o desejo. Cochilaram. Prevenido como sempre, o celular de Marcos já estava programado. Às quatro e trinta ambos se olham e riem com o barulho do despertador.

- Se não sou eu, heim minha pequena?! – E soltou o sorriso preferido dela.

- É! Se não é você... – A conversa que ela teve consigo mesma enquanto tomava banho martelava em sua cabeça. E, agora, ela se incomodava em perceber o quão ingrata ela fora nesse último mês. – Vamos nos arrumar. – Disse ela encarando-o.

- Primeiro as damas. – Retrucou, ele, indicando o quarto. Afinal, só havia um. Durante todo esse mês Marcos dormira no sofá. Mais uma vez uma decepção pessoal toma conta de Paula enquanto se dirigia ao quarto.

Enquanto ela se ajeitava no quarto, ele preparava um lanche na cozinha. O cômodo era simples, mas esbanjava simpatia. Uma mesinha recuada no canto direito tinha espaço para quatro cadeiras. Uma geladeira de pouco mais de três anos. Armários cada um com sua etiqueta. Cereais. Talheres. Pratos. Panelas. Copos. Utensílios. Do canto esquerdo, ao lado da janela que tinha um horizonte bem próximo já que havia um prédio mais alto ao lado, estava um fogão de quatro bocas e de cor branca assim como todos os outros móveis. Paula dava conta de deixar toda a casa limpa nas quartas. Fazendo com que a cozinha singela esteja, também, limpa. Marcos não preparou nada de mais. Leite quente com chocolate em pó e pães fatiados com manteiga. Mas todos esses pequenos gestos que antes não incitavam a bailarina agora a incomodava profundamente.

Ele foi se arrumar, o que não demorava nada, e pediu para que Paula tirasse o leite do fogo. Lancharam meio calados, o que não era comum, e foram a pé para o cemitério já que era só a dois quarteirões dali. No meio do caminho pararam na floricultura “Flores de um jardim” e compraram algumas rosas vermelhas. Marcos como sempre se responsabilizou pela conta. Logo depois já caminhavam de mãos dadas. A aparência pálida dele combinava estupidamente bem com a negritude dela. E as pessoas continuavam a se impressionar com isso. Mas nada que causasse desconforto, o casal já estava, realmente, acostumado. Era sempre assim.

O “Cemitério Jardim Divino” era particular e, mais uma vez, Paula se sentira incomodada ao ver a placa. Com seu salário mínimo nunca seria capaz de dar o conforto que sua mãe, realmente, mereceria após a morte. E mais uma vez foi Marcos quem mudou a sua vida e mais uma vez para melhor. A agonia era forte. Mas de algum jeito ou de outro ela ia recompensá-lo. Tempo é o que não falta, pensou a bailarina.

Chegaram à frente do túmulo e Marcos, agora, apertava ainda mais forte a mão de Paula. Era logo um dos primeiros e o local não parecia nada triste. Era um misto de verde da grama com cinza do granito do piso que revestia as passarelas que davam acesso aos túmulos. Várias árvores assumiam lugares importantes. Imponentes. Passaram-se dez minutos que a bailarina estava ali, se lamentando. No começo o seu anjo estava agachado ao seu lado, aconselhando-a. Mas ele achou melhor dar um tempo para ela pensar sozinha. De repente Marcos, que estava prestando atenção em uma árvore na entrada do cemitério, se vira e sua reação não é das melhores. Ele recua um pouco. As flores caem no chão e algumas pétalas se soltam, se arrastam para longe...

13 comentários:

Maay disse...

Aaaah, como é lindo o carinho que ele teem por ela *-----------*

Rafael Cotrim disse...

É lindoo *-*!

Evandro Marques disse...

Tudo muito bom!

Anônimo disse...

1ª vez aqui \o/
é lindo poder ver o carinho e o amor que ele tem por ela![2]
´To seguindo!

Alê Quites disse...

e, belo!

BeijOS

Rafael Cotrim disse...

Vaamos seguindo... Daki a uma semana +/- posto o terceiro :)

Mari e Ana disse...

Perfeito. Pareço ver cada cena que você descreve, de verdade, é impressionantemente lindo seu conto. *-*

Anônimo disse...

Seu conto me encantou tanto quanto me hipnotizou! *-* Marcos é o que toda garota sonha, HDUAHDUHAUDHA. Você escreve muito bem, do mesmo jeito que é detalhado e prende a atenção, não chega a ser entediante e esses finaizinhos sempre me deixaram uma curiosidade horrivel, HDUAHUDHA. Parabens.

Isabella Pimentel disse...

O QUÊ? Eu quero o final, nada disso, você sabe que me deixa morrendo de curiosidade aqui ¬¬

Tirando isso, tá muito bem escrito raafa!

Mas tipo igual Marcos não existe e essa Paula tá muito abusada xD

*esperando o final*

Polly disse...

Que tenso! O carinho é bonito, mas ela ainda não está tão livre pra ele, né Rafa?
Já estou aguardando a continuação.

Unknown disse...

POSTA LOGO O TERCEEEIRROOO! *-*
Muito lindo :DD'

Marina Menezes disse...

A história está BEM interessante. Quero mesmo saber o qe vai acontecer, o enredo é muito original.
Ele a ama, mas ela não sabe como retribuir... espero que sejam sentimentos verdadeiros.
Corri para o terceiro capítulo :*

Ray Silva disse...

mt linda essa história :D